Coringa narrando
- as condições de você sair daqui mais rápido, são as sessões com a psicóloga, ela vai ser a responsável a dizer se você está apto a reintegrar a sociedade - o meu advogado falou no final da visita
Agora tu vê, uma psicóloga querer determinar algo sobre mim, se eu estou ou não, apto a voltar a pra rua? Até parece!
Mas eu faço, eu faço qualquer esforço pra poder voltar logo pro meu morro, ver meu filho logo. Só vejo o moleque uma vez por ano quando a mãe dele traz ele aqui, no meu aniversário. Mas falo com ele direto pelo celular, ele tem todo suporte, assistência, tudo, tem vida de rei no morro
Guilherme, foi um “acidente”, mas se tornou a minha motivação, todos os dias eu lembro que eu entrei aqui por um motivo, mas eu vou sair daqui por um que vale muito a pena
Estava no banho de sol, fumando um cigarro, enquanto via o movimento, hoje não quis visita, não quis p**a nenhuma vindo me dar, tô com a mente a milhão, cheio de bagulho errado passando, cheio de maldade
Saudade do meu morro, do meu ppg, saber que tá perto de eu sair daqui e eu voltar a reinar no meu império, tanta coisa vai mudar…
- fala tu patrão, minha patroa trouxe uns bagulho, tu não quer não ?- um dos meus funcionários daqui de dentro vem com um pote de comida pra mim
Aqui dentro eu sou feito rei também, não é atoa que eu tô nessa p***a a 15 anos, aqui nessa área quem manda sou eu, tudo passa por mim, eu fui feito um líder nato, eu fui moldado, criado, e treinado pra isso
E graças a esse treinamento eu vinguei quem eu deveria e por isso estou aqui, e desde que cai nessa jaula eu determinei que só sairia daqui pela porta da frente de cabeça erguida, pra provar pra todos que eu não me arrependo um dia sequer pelo motivo que eu entrei aqui
Já tive várias oportunidades de sair daqui, pagando juiz, subornando agente, diretor daqui já me fez várias propostas, mas o motivo pelo o qual eu tô aqui é cravado na pele, na alma, no sangue e foi um crime bárbaro, marcante, como deveria ser!
Ha quinze anos atrás eu vinguei a morte dos meus pais.
De forma marcante, como foi quando eu não tive nem direito de enterrar aqueles que me deram a vida, porque nem corpo sobrou. Eles foram mortos de forma bárbara, e eu jurei vingança.
Meus pais foram mortos numa invasão do bope, os dois lutaram juntos naquele dia. Estávamos numa guerra que durava mais de uma semana, não tínhamos um descanso, era guerra dia e noite, e minha mãe naquela noite decidiu voltar a ativa, estávamos na linha de frente, eu no pé do morro, junto com os soldados, trocando tiro de peito cheio e muita disposição. Meus pais no meio do morro, tentando controlar o que vinha pela lateral, pelo meio do mato, e nós não cessamos fogo, nós não íamos perder aquela guerra.
Eu era novo, tinha vinte anos, estava grandão já no crime, era braço direito do meu pai, nosso negócio era entre nós três, nós éramos o nosso maior e mais forte elo, eu corria todos os morros, fazia aliança, fui ficando cada vez mais sagaz, cada vez mais esperto, e sinistro. Mas foi naquela fatídica noite, naquela maldita madrugada onde tudo veio abaixo
Naquele dia, o Gustavo morreu, e deu vida ao coringa.
Eu vi meus pais serem mortos, eu estava subindo o morro, depois de ter ido buscar uma sacola de granada pra ir ajudar eles porque o bope já tinham estourado a casa de vários moradores, quando vi eles explodindo no ar por uma granada
Foi tudo muito rápido, meus olhos ficaram negros, foi a pior dor que eu já senti na minha vida, um grito estridente saiu do meu peito
Meu mundo parou. O som da guerra ainda ecoava, os tiros cruzando o ar, mas tudo que eu via era o sangue dos meus pais misturado com a poeira do chão. Um pedaço do pano da camisa do meu pai voou até mim, sujo de pólvora, queimado, e ali eu soube… ali eu morri junto com eles.
Mas diferente deles, eu renasci.
O Gustavo ficou ali, naquela noite, naquela explosão. O que sobrou se ergueu no meio do caos, com ódio correndo no sangue e um único propósito na cabeça: vingança. Eu não conseguia pensar direito, eu não chorei mais. Engoli a dor, travei a mandíbula e levantei. Peguei a arma que estava no chão e saí dali decidido a fazer cada um pagar.
E pagaram.
Cada fardado que esteve naquela operação. Cada um que apertou um gatilho naquela noite. Cada um que comemorou a morte dos meus pais. Eu fiz questão de buscar um por um. Alguns morreram ali mesmo, no chão da favela, sem direito a reza, sem tempo pra entender o que estava acontecendo. Outros eu cacei do lado de fora, foram me encontrando nos momentos mais inesperados… eu fiz questão de olhar nos olhos deles antes de apertar o gatilho.
Mas eu ainda não estava satisfeito, eu tinha que matar o maldito coronel do bope, pois ele já tinha jurado a minha vida também! Ele comemorou a morte dos meus pais em praça pública, em horário nobre na tv, enquanto eu encarava aquela tela e via o seu semblante de orgulho, aquilo não ia ficar assim
E foi numa noite que eu decidi cumprir a última fase da minha vingança.
Antes, eu deixei tudo organizado no meu morro, coloquei o meu fiel escudeiro, meu melhor amigo, arcanjo, ele tinha uma carinha de anjo mas era um capeta naquela favela, criou no meio da guerra assim como eu, ele estava do meu lado e viu tudo junto comigo, sempre foi meu fiel, e eu treinei ele para o que ia acontecer a seguir
- vai na fé, eu vou subir isso aqui por você, por tudo o que a sua família já me ajudou! Eu não vou te deixar sozinho nessa, nós somos irmãos de guerra, essa guerra é nossa!- foram as últimas palavras dele pra mim naquela noite quando eu saí do morro, em busca da minha vingança final…
Continua…
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