A sala de fonologia cheirava a giz úmido e café requentado. Calíope entrou depois do almoço, os dedos ainda fríos de segurar o copo de café gelado. Foi então que a viu: sentada na segunda fileira, de jaqueta de couro desbotado e cabelo curto espetado, estava a garota que sussurrara “já foi tarde” na cena do crime. A mesma que agora evitava contato visual, os olhos verdes fixos em um caderno rabiscado com desenhos abstratos — espirais, labirintos, algo que parecia um pássaro com asas quebradas.
Caliope não hesitou. Sentou-se ao lado dela, o banco de madeira rangendo como um aviso.
— Boa tarde — disse, forçando um tom casual.
A garota nem pestanejou. Seus dedos, cobertos por anéis de prata gastos, continuaram desenhando linhas agressivas no papel.
— Tá surda ou só m*l-educada? — insistiu Caliope, baixando a voz.
Nada. Apenas o som da ponta do lápis arranhando o caderno. Screech. Screech.
A porta da sala se abriu com um estrondo. O professor de fonologia entrou, um homem de quarenta e poucos anos com um terno marrom que parecia duas vezes seu tamanho. Seus olhos — pequenos, escuros, como passarinho — pousaram em Caliope. Parou no meio da explicação sobre consoantes fricativas, a boca entreaberta.
— Nova aluna? — perguntou, os lábios se curvando em um sorriso que mostrava dentes amarelados.
— Caliope Wessex — respondeu, seca.
— Wessex. Humm? — ele se aproximou, arrastando os pés. — Parente do Duque?
— Neta
— Humm. que emocionante, temos a realeza em nossa sala, chega ser excitante! — O homem olha para Calíope como um predador
A garota ao lado soltou um grunhido quase inaudível.
— Nojento — murmurou, tão baixo que Calíope quase não captou.
O professor ouviu. Seu rosto contraiu-se por um segundo, mas logo se recuperou.
— Bem-vinda à Oxford Nova, senhorita Wessex — disse, enfatizando as consoantes como se estivesse degustando-as. — Espero que... aprenda muito aqui.
A aula foi um suplício. O homem passou cinquenta minutos alternando entre explicações técnicas sobre fonemas e olhares que escorriam pelo corpo de Caliope como lesmas. Ela fingia anotar, mas no cadastro só havia rabiscos: "CALÍOPE", "VERITAS", "JÁ FOI TARDE".
Quando o sino finalmente soou, a garota de jaqueta levantou-se rápido, jogando o caderno na mochila. Caliope segurou seu pulso.
— Quem é você? — exigiu.
A garota puxou o braço com força, os olhos verdes faiscando.
— Ninguém — respondeu, a voz áspera como lixa. — E se é esperta, vai continuar longe de onde não foi chamada.
— Ou o que? Vai me degolar como fizeram com o professor?
O silêncio entre elas ficou elétrico. A garota abriu a boca para responder, mas foi interrompida pela voz melosa do professor:
— Senhorita Wessex! Precisa de ajuda para encontrar sua próxima aula?
Caliope soltou o pulso da garota, que desapareceu pela porta como fumaça.
— Estou ótima — respondeu, jogando a mochila nas costas. — Mas seu colega morto na biblioteca? Ele não estava tão ótimo.
O rosto do professor empalideceu.
— Isso não é assunto para...
— Para mulheres? — ela completou, sorrindo docemente.
— Não, para alunos dessa instituição, isso e assunto para polícia e para os parentes do professor morto.
Caliope mordeu o labio e achou melhor se calar.
No dormitório, Caliope retirou o casaco antes de jogá-lo na cama. Foi quando algo caiu do bolso interno — um bilhete amassado, escrito em letras tremidas:
“FIQUE LONGE DO SENHO[R] ROPINKIS. NÃO BEB[A] NADA DO QUE ELE TE OFERECER.
— UMA AMIGA”
Partes das palavras estavam borradas, como se escritas às pressas. Senhor Ropinkis. O nome do professor de mais cedo’. Mas a letra... Era a mesma dos desenhos do caderno da garota. Espirais nos “R”, labirintos nos “E”.
— m*l-educada, mas útil — murmurou, guardando o bilhete na carteira.
Sua suspeita se confirmara: a garota de jaqueta estava envolvida. Mas por que deixar um aviso anônimo? E por que me alertar sobre o professor Ropinkis?
O toque do celular a fez pular. Uma mensagem de número desconhecido:
Angelo - Sua próxima aula e na sala 7C se não sair agora do seu quarto vai atrasar, não gostamos de repetentes rainha A.S
Calíope - Como você conseguiu meu numero? WE como você sabe onde eu estou?
Angelo- Eu tenho meus modos, agora ja para aula e pare de moirder os labios se não vou ai so pra beija-los
Caliope fecha a tela do telefone com raiva;
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