Prólogo
Rafaela narrando :
O barulho dos tiros veio de repente, como um trovão cortando o céu sem aviso. Meu corpo travou no mesmo instante, e um arrepio frio percorreu minha espinha. O morro, que até segundos atrás estava tranquilo, virou um cenário de caos.
Meu coração batia tão forte que eu podia senti-lo pulsando na garganta. As pessoas corriam, crianças gritavam, mulheres puxavam os filhos para dentro de casa. Eu devia fazer o mesmo. Correr, me proteger. Mas minhas pernas pareciam coladas no chão.
— Meu Deus… — murmurei, abraçando minha Bíblia contra o peito.
Foi quando vi um grupo de homens armados surgindo no topo do morro, disparando sem piedade. Meu corpo finalmente reagiu, e eu corri. Corri sem saber exatamente para onde, apenas fugindo do perigo.
Entrei numa viela estreita, o coração martelando contra as costelas, a respiração curta. Me encostei na parede e tentei me acalmar, mas meus joelhos tremiam. Nunca tinha sentido tanto medo na minha vida.
Passos pesados ecoaram próximos, e antes que eu pudesse me esconder melhor, uma sombra surgiu na entrada da viela.
Meu corpo inteiro congelou.
Ele estava ali.
Alto, olhar afiado, o corpo coberto de tatuagens que desenhavam sua pele como se contassem histórias perigosas. A arma firme na mão denunciava que ele não era um homem qualquer. Ele era Gibi. O dono do morro.
Os olhos escuros dele encontraram os meus, e por um instante, o mundo inteiro pareceu se silenciar.
— O que cê tá fazendo aqui, missionária? — A voz dele veio rouca, carregada de tensão.
— Eu… — Minha voz falhou. Minha garganta estava seca.
Um grito veio de algum lugar próximo, seguido por uma nova rajada de tiros. Antes que eu pudesse reagir, ele se moveu rápido e me puxou contra si. Meu corpo chocou-se contra o dele, e de repente, eu estava protegida pelo peito forte de um homem que eu nunca deveria ter deixado chegar tão perto.
O cheiro dele era amadeirado, misturado com pólvora, invadiu meus sentidos. Meu rosto ficou próximo demais do dele. Tão perto que eu podia sentir sua respiração quente contra minha pele.
Meu coração parecia prestes a sair pela boca.
O olhar de Gibi desceu até minha boca por um segundo, e eu prendi a respiração. Era como se o tempo tivesse parado ali, entre o medo e algo que eu não queria nomear.
Mas então, o barulho de motos e gritos nos trouxe de volta à realidade.
Ele se afastou um pouco, sem soltar meu braço.
— Vou te tirar daqui. Fica perto de mim.
Assenti, ainda sem voz, ainda sentindo o calor dele contra minha pele.
O coração ainda martelava no meu peito, e minha mente gritava que aquilo era errado. Que eu não devia confiar nele. Que eu não devia sentir o que quer que fosse isso que fazia meu corpo inteiro arrepiar.
Mas, naquele momento, ele era minha única saída.
Gibi segurou meu braço firme, puxando-me para perto enquanto espiava a viela. Os tiros continuavam, ecoando como trovões no alto do morro. Ouvíamos gritos, passos apressados, vozes ordenando, ameaçando.
— Fica atrás de mim. — Ele falou baixo, a voz firme, sem espaço para discussão.
E eu obedeci.
Não era hora de questionar. Minha fé sempre me ensinou a confiar em Deus, mas naquele momento, minha vida estava nas mãos de um homem que representava tudo o que eu sempre tentei evitar.
Descemos rapidamente por uma das vielas estreitas. Gibi andava com segurança, como se soubesse exatamente para onde ir. Eu tropecei em um degrau quebrado, mas antes que caísse, ele me segurou pela cintura.
O toque foi rápido, mas forte o suficiente para me fazer sentir o calor da mão dele através do tecido fino da minha blusa.
— Anda direito, missionária. Não vou voltar pra te carregar, não.
Engoli em seco e tentei focar nos meus passos.
Viramos outra esquina, e ele me empurrou contra a parede, colocando o corpo na minha frente. Meu rosto quase bateu no peito dele, e meu coração deu um pulo.
— Shhh… — Ele trouxe o dedo indicador aos lábios, pedindo silêncio.
Segurei o fôlego.
Dois homens armados passaram correndo pela entrada da viela. Eu não entendi muito bem, mas percebi que eram inimigos de Gibi.
Minha mão apertou a barra da blusa, tentando conter o tremor.
Assim que os passos se afastaram, ele me olhou de novo. Dessa vez, o rosto estava perto demais. Tão perto que eu podia contar os fios da barba cerrada que desenhavam seu maxilar.
— Tá com medo? — Ele perguntou, e o tom quase parecia uma provocação.
— E você não? — Retruquei, sem pensar.
Gibi riu de leve, um canto da boca se curvando. Era um sorriso de quem não se abala fácil, de quem já viu mais do que devia.
— Medo é luxo pra quem vive no meu mundo.
Eu queria responder, queria dizer que ninguém é imune ao medo. Mas as palavras sumiram quando percebi que o olhar dele baixou de novo para minha boca.
Minha respiração travou.
A mão dele roçou de leve meu braço, e o calor da pele dele na minha me fez sentir algo que eu não deveria.
Por um segundo, tudo sumiu. O barulho de tiros, a adrenalina, o perigo. Só existia aquele instante entre nós dois.
Se ele se aproximasse mais um pouco…
Se eu não desviasse o rosto…
Mas então, outro disparo ecoou, perto demais, fazendo-me pular de susto.
Gibi saiu do transe no mesmo instante. O olhar dele endureceu de novo, e ele se afastou um passo.
— Bora, missionária. Aqui não é lugar pra você.
E dessa vez, a voz dele não trazia mais provocação.
Trazia algo que parecia um aviso.
Gibi me puxou de novo, e dessa vez, o braço dele passou ao redor da minha cintura, me mantendo perto. Meu corpo colou no dele, e um arrepio subiu pela minha espinha.
Meu coração batia tão forte que parecia que ele poderia ouvir. Eu tentei me concentrar na situação, no perigo, na necessidade de sair dali. Mas meu corpo… meu corpo parecia ter vontade própria.
Fechei os olhos por um segundo.
"Senhor, por favor, tira esses pensamentos da minha mente… Me ajuda a focar no que é certo, a não me deixar levar por isso…"
Respirei fundo, tentando me afastar, mas a mão firme dele me segurou.
— Fica quietinha, missionária. — A voz veio baixa, próxima ao meu ouvido. — Se aparecer alguém, eu falo que cê é minha.
Minha?
Senti um calor subir pelo meu rosto, e meu corpo reagiu de um jeito que eu não queria admitir. Minhas mãos, que antes seguravam minha Bíblia com firmeza, agora estavam espalmadas contra o peito dele, tentando criar uma distância que não existia.
Ele percebeu.
Gibi inclinou um pouco o rosto, os olhos escuros prendendo os meus. O canto da boca dele subiu, como se soubesse exatamente o efeito que causava.
— Tá tremendo por quê?
Engoli em seco.
— Eu… eu só quero sair daqui.
Ele me observou por mais um instante, como se quisesse entender o que passava na minha cabeça. E, por Deus, nem eu sabia. Era medo. Era adrenalina. Era algo que eu não deveria sentir.
Fechei os olhos de novo.
"Pai, me ajuda… Isso não pode estar acontecendo."
Mas o coração dele batia forte contra minha mão, e a respiração quente contra minha pele fazia cada pedacinho do meu corpo se arrepiar.
Eu não podia querer isso. Não podia.
Mas, por um segundo, quis.
Continua.....
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