Odessa acordou assim que o sol raiou, como de hábito, porém, não tinha nada para fazer na choupana. Estava há vários ciclos lunares naquela pacata vila onde viveram os seus ancestrais.
Seu pai, Alfa Rules, era teimoso demais, nunca lhe dera ouvidos e a mandou para longe, o que não era, de forma alguma, uma solução que ela aprovasse.
Com poderia ter paz numa pequena vila mestiça, enquanto o seu povo corria perigo em meio a uma guerra que nem sequer era deles?
“ Filha, você é uma Luna de nascimento, ficar aqui é perigoso para você. Quando a guerra acabar, mandarei te buscarem, mas, precisa me prometer que ficará em segurança, para que eu possa pensar direito!”
Depois de muito insistir, em vão, acatou a vontade do pai. Ele era o Alfa, afinal, e ela não tinha escolha, a não ser, obedecê-lo.
Ela rezava aos deuses que ele estivesse em segurança.
Há tempos não tinha notícias do clã.
Já que não podia treinar, ela corria.
Desde que chegou a vila, corria pelas plantações pela manhã, algumas vezes, na companhia dos cavalos, animais que ela admirava.
Após o desjejum, pegou um vestido antigo de sua avô, que acreditou ser mais adequado para o vilarejo e o vestiu. Não era seu estilo, mas era confortável e adequado àquele lugar.
. Queria dar uma volta para espairecer e parar de se preocupar tanto.
Alguns minutos de caminhada e ela se aproximou da beira de um riacho, onde enxergou um velho conhecido sentado numa cadeira de palha, ocupado com uma vara de pescar.
— Vô Ambrósio, como está?
— Oh, menina, estou como Deus quer! Hoje peguei poucos peixes! — Disse o velho com os olhos brilhando de alegria ao vê-la.
Ambrósio não era o seu avô, de fato, porém, era como os moradores da vila o chamavam. De idade incerta e rosto muito enrugado, ele era um humano muito gentil, viúvo de uma doce ômega que faleceu quando Odessa era pouco mais do que um filhote.
Ela olhou o balde ao lado dele, continha meia duzia de peixinhos pequenos, no entanto, suficientes para a alimentação de um humano.
— A sinhazinha pode me ajudar a carregar as coisas? Estou perdendo as forças, sabe?
Ela pegou o balde, a vara de pescar e uma bolsa de pano que ele levava para todo canto por onde andava e carregou com facilidade.
O idoso caminhava devagar, mancando de uma perna, e ambos seguiram para a casa dele. Uma casinha branca, na beira da estrada, com uma janela de madeira e um tronco na porta, que ele fazia de banco para sentar e observar a paisagem.
— Qual a sua idade, vô? — Odessa perguntou, sem cerimônias.
— Oh, "fia", tenho mais anos do que seria natural para a minha espécie. E “suncê” “fia”? Quando te conheci, era uma “pequitita” assim, “ó” — Ele fez com a mão a indicação de uma altura impossível de tão baixa. — Corria por aí, feito alma penada! Agora, está uma moça “cricida”e formosa, como era a sua mãe!
— Obrigada, vô. Eu tenho dezenove ciclos solares, em breve completarei vinte.
— Olha só, uma moça! Logo vai conhecer o seu companheiro, como deve ser, não é?
Ele fez sinal para que ela entrasse, mas, Odessa preferiu sentar-se no tronco.
— Espera um tantinho que esse veio já volta!
Odessa respirou fundo. Naquele lugar, parecia que a vida não tinha pressa de passar, era muito agradável e tranquilo, só que ela não conseguia se sentir em casa. Precisava de vida, de pessoas a sua volta, dos bailes do clã, as brincadeiras com amigos, o treino da guarda do Alfa…
O velho saiu da casa com duas canecas cheias de café, um costume que o humano trouxera de seu mundo e jamais aceitou abandonar.
O aroma da bebida era agradável, mas, o sabor era um tanto amargo. Vô Ambrósio sempre colocava um pouco de açúcar para as visitas, embora, ele preferisse puro.
Para a sua surpresa, a conversa com o idoso humano foi agradável e ela m*l notou o tempo passar. Infelizmente, a paz foi quebrada pela chegada de um dos membros de seu clã.
Odessa levantou rapidamente, com um péssimo pressentimento.
— Luna Odessa, finalmente te encontrei! O clã está sendo atacado por um dos grandes Alfas!
— Atacado, mas, por quê?
— Seu tio não aceitou os termos de entrega do território sem libertar o seu pai. De madrugada, houve uma rebelião, os generais atacaram os lobos do Alfa Orium e agora, em retaliação, ele cercou o território. A ordem que ouvimos é que ele não fará prisioneiros dessa vez! Não deixam nem os filhotes passarem pela barreira em busca de asilo!
— Não podem fazer isso! O que será do nosso povo?
— O irmão do Beta foi morto, Luna, eles estão furiosos, creio que não deixarão ninguém sair vivo!
— E o meu pai? Como ele está?
— Sinto muito, Luna, mas Alfa Orium está com ele!
Odessa passou a mãos pelos cabelos, aflita, buscando mentalmente uma solução. Sentiu o velho humano segurar a sua mão e o encarou.
— Fia, às vezes, a vida leva a gente para onde não queremos ir, e as coisas parecem perder o rumo, até ficarmos sem chão. Mas, fia, tudo o que suncê precisa, está dentro de suncê!
O velho soltou a mão de Odessa, tirou um cachimbo de barro do bolso e pôs-se a acendê-lo, ignorando o turbilhão que passava na alma da jovem que o mirava confusa.
Ela se despediu rapidamente e correu na direção do estábulo. Escolheu o cavalo mais veloz para levá-la quanto antes para casa.
Aquele era o seu território, lar de seus amigos e familiares, ela não permitiria que exterminasse o seu clã inteiro como se fossem insetos!
Ela lutaria por aqueles que ama, e se preciso fosse, morreria com eles.
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