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STORY BY Elyse Melo

Oljajakakak

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Ela encarava as voltas das paletas do ventilador azul quebrado em contraste com a parede pálida enquanto se perguntava se o talento (a emoção, a paixão, o tesão) havia se transformado em algo do passado, sepultado, cremado e jogado ao mar. A verdade é que a menina há muito havia se perdido entre calmantes, chás relaxantes, florais que prometiam falsamente o fim do estresse e antidepressivos. A vida adulta, percebeu tarde demais, a acertou em cheio. Conseguia prosseguir com pouco ou quase nenhum ressentimento. Entre sonhos roubados, promessas quebradas e delírios de grandeza, se perdia nos livros e cada vez mais uma vida que ela não pediu se estruturava a sua frente. Alguns amigos nem mesmo viam através de seus olhos, todos pareciam inebriados demais em suas próprias realidades, incapazes de vislumbrar qualquer vestígio de dor ou morte de esperança. Ela não tinha mais esperança, não além de deixar tudo mais suportável. De alguma forma, confortável. Embora, em não raros dias, parecia que tudo estava desconfortável do lado de dentro e era difícil de viver do lado de fora, de sair da cama, de comer feito gente ou de tomar um banho decente. Sabia mascarar muito bem essa falta, mas suspeitava que era mais uma angústia geracional que individual. O mundo parecia em guerra todo tempo além dos muros seguros de sua casa. Pouco restava do amor, somente o próprio cinismo de dezenas de aspirações partidas e viagens perdidas. E, quando tudo parecia igual, ela insistia em colorir páginas de um caderno sem pauta qualquer ou ver o pôr-do-sol num mato ou canto diferente do de sempre. Simplesmente não entendia como todo mundo conseguia se adaptar a vida, ao desastre iminente, as intensas lutas e as infindáveis guerras. Sabia também que nenhuma dor jamais produziria, não nesse tempo presente, uma dureza tal qual a de Raskólnikov ou a coragem de Valjean. Tudo se fecha num ciclo desagradável, sem gosto e pré-fabricado. O que ficou, sinceramente, não sabe. Nada além de mais rabiscos desconectados em folhas soltas, palavras em folhas desconectadas numa tela em branco…

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Fiz essa crônica pra reclamar de morrer

Fiz essa crônica pra reclamar de morrer

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A gente não gosta de pensar na morte. Nos escondemos desse fato imutável, dessa bandida que pode nos pegar a qualquer momento. Fugimos tanto do assunto que a simples visão de um caixão assombra até os menos impressionados de nós. E foi exatamente o que aconteceu numa esquina da Avenida Júlia Kubitscheck: uma linda, reluzente e gigantesca vitrine funerária expondo nossa mortalidade em plena luz do dia. E, diga-se de passagem, com um belo jogo de luzes durante a noite. Até pedra jogaram. E aí que o dono decidiu colocar uma película para afastar dos nossos olhos o óbvio: vamos todos morrer. Ou melhor, censurar essa obscenidade que é fazer dinheiro com essa sacanagem que é morrer. Agora, quando se passa pela esquina, só se vê o pé do paletó de madeira. Estive passando por lá outra noite com meu irmão e a funerária estava recebendo clientes. Ele questionou quem compra caixão à uma da manhã. Como se a morte respeitasse nossas agendas, planners e compromissos sociais. Ela trabalha é com horários malucos, a safada prefere chegar de surpresa. Onde já se viu questionar a hora de comprar caixão? Comprar caixão naquela funerária pomposa é como um passeio no shopping e todas as vitrines expõem a vulnerabilidade humana. Sim, eu estou escrevendo esta crônica para reclamar de morrer. E também para caçoar dessa gente caiçara, provinciana e supersticiosa que tem medo de um pedaço de madeira bem-disposto atrás de um vidro. Já volto, o telefone está tocando.

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